Discos essenciais para o Paulão, das Velhas Virgens

Paulão e as Velhas Virgens. Foto: Divulgação.

Ele é o vocalista e líder da principal banda independente do País, as Velhas Virgens, que completou 30 anos de estrada no ano passado. Paulo Carvalho, mais conhecido como Paulão, é o dono da lista desta vez na seção "10 discos essenciais".

O cara vai de Deep Purple a Muddy Waters, passando por Legião e Luiz Gonzaga. Confere aí! (e não esquece de ouvir a playlist no final do post, garanto que você vai curtir).


DEEP PURPLE IN ROCK – 1970

Meus irmãos mais velhos (tenho 3) foram minhas maiores influências musicais. O mais velho, engenheiro, me deu Beatles. O vice, médico, me deu Stones. E o terceiro, dentista, talvez o menos musical dos três, me apareceu em casa com este tal de Deep Purple. Que som pesado e cheio de energia. Lembro que ele se juntava com seus amigos de colégio e ia selvagemente descer de carrinho de rolimã numa rua próxima a Igreja Santa Joana D’arc, Tucuruvi, SP. Eu era moleque e ia junto. As pessoas usavam sandália havaiana com a sola virada, calças boca de sino, camisetas e ouviam Purple no último volume. Um woodstock suburbano terceiro mundista. Eu era tímido, usava óculos e estava extasiado com aquilo tudo. O teclado distorcido de Jon Lord, a guita virtuosa de Ritchie Blackmore, o baixo de Roger Glover, a batera de Ian Paice e a maior garganta da história do rock, Ian Gillan. Que banda! Que disco!

MUDDY WATERS – MUDDY “MISSISSIPI” WATERS – Live – 1979

Fui estagiário no início da Rádio 89 FM, em 1986, junto com o Ricardinho do “Encrenca” e “Quem não faz toma”. Fizemos faculdade juntos. Ajudamos a escolher a discoteca da rádio, fazendo listas de vinis que queríamos pra rádio, listas que eram mandadas direto pras gravadoras. Uma delícia. Um dia peguei um disco do Muddy Waters para ouvir e para mim, na minha ignorância, não tinha muita diferença entre Blues e Jazz. Achava que era meio que a mesma coisa e sentia dificuldade em compreender. Quando tocou “Manish Boy” soube a diferença e fiquei encantado com aquele som que “não rodava”, não caminhava na harmonia, só ficava se repetindo e o cara cantando como se daquele canto dependesse sua vida. Aquilo mudou completamente minha concepção de música. Destaque pra Johnny Winter na guitarra.

LEGIÃO URBANA – 1985

A primeira vez que ouvi Legião Urbana pensei: “como este cara consegue falar das coisas que estão dentro da minha cabeça e à minha volta? ”. Grandes refrões, letras sensíveis, interpretação rasgada e tocante. Parecia que eu conhecia os caras da esquina. Era um som cheio de energia mas, ao contrário dos setentistas, era simples e dava pra pensar em fazer igual. Era a filosofia punk do “faça você mesmo” sendo posta em prática. E quanta sensibilidade, inteligência, capacidade formal nas letras do Renato Russo. O disco é uma sequência de hits e petardos do início ao fim. Me fez crer que dava pra fazer rock em língua portuguesa.

AC/DC – BACK IN BLACK – 1980

Meus irmãos me deram muitas bandas, mas esta eu que fui buscar. Um dia estava vendo um programa de videoclipes na tv e vi Angus Young chacoalhando a cabeça. Imediatamente soube que era um som como aquele que eu queria fazer. A voz rasgada do BJ, a cozinha coesa, as peripécias de Angus pelo palco, sua fusão com a guitarra do Malcolm... que banda, que disco. Se eu tivesse ouvido primeiro o disco anterior, Highway to Hell (1979), teria me apaixonado antes. Mas eis que ao ver Angus tocando, comecei a chacoalhar minha cabeça e todas minhas ideias foram para o lugar. Era só o que eu precisava: chacoalhar a cabeça pra compreender tudo.

BRUCE SPRINGSTEEN – BORN IN USA – 1984

Vi diversos shows do Chefão, mas foi este disco que me apresentou seu trabalho. Rocks diretos e divertidos, baladas-country, uma voz potente e sentimental ao mesmo tempo. Uma banda incrível atrás, misturando teclados, metais, trabalhando a linguagem do rock’n’roll básico inventado por Chuck Berry. Mas com sentimento e dinâmicas. Sem frescuras visuais. Jeans, camiseta branca, guitarra limpa e aquela batida dançante. Sim, a gente pode dançar rock! Um passeio tocante pelo melhor e o pior da cultura americana a quem tantos criticam, mas que nos deu, pelo menos a mim, o presente mais especial: o rock’n’roll. Thanks, Tio Sam.

CAMISA DE VÊNUS – 1983

Este disco foi recolhido pela censura assim que saiu. Um dia meu amigo Frank falou: “vou à galeria do rock e vou encontrar aquele play do Camisa de Vênus...” E voltou com ele. Nos juntamos e ficamos ouvindo. Curtindo a crueza e a coragem das letras. As inflexões personalíssimas de Marcelo Nova. O som punk tocado com limitações técnicas, mas que parecia um furacão. Sujeira. Refrões desesperançosos: “não vai haver amor nesta porra nunca mais”. Que porrada. Há várias bandas sem as quais seria difícil existirem as Velhas Virgens. Mas sem duas, certamente não estaríamos aqui. Uma delas é o Camisa de Vênus. Crus. Cruéis. Destruidores. Eu queria ser assim.

ULTRAJE A RIGOR – NÓS VAMOS INVADIR SUA PRAIA – 1985

O Ultraje já era uma lenda e lançava compactos em vinil, mas este foi o primeiro disco. Uma banda de rock’n’roll brasileiro clássico, cheio de humor e diversão. Um hino que definia nossa responsabilidade derrota de sermos brasileiros: Inútil. Vi o Ultraje ao vivo antes de lançarem o disco. Vi no programa Fábrica do Som, da Tv Cultura. E quando pus o disco na vitrola pra tocar sabia todas as letras. Bom humor e inteligência. A outra banda sem a qual não haveria Velhas Virgens é o Ultraje. Somos (ou tentamos ser) uma mistura das duas: Ultraje de Vênus. Eu queria ter a classe do Roger pra fazer graça e mandar rock divertido pro povo.

LUIZ GONZAGA – A TRISTE PARTIDA – 1964/ 1970

Meus pais eram nordestinos de Mata Grande, Alagoas, e Luiz Gonzaga é uma herança paterna. Meu pai era muito saudoso de suas raízes e, vivendo em São Paulo, ouvia a canção “A Triste Partida” (que conta a saga dos retirantes da seca para o sul do país) chorando na sala de casa. Esta canção me apresentou às minhas raízes. Mas o disco todo é uma delícia, com xotes e baiões, com Gonzagão “comendo” a sanfona, com swing e muito humor também. Sala de Reboco! Este linguajar nordestino está presente no meu jeito de escrever letras também. Se fosse americano, Luiz Gonzaga seria de Muddy Waters pra cima. Um gênio.

PINK FLOYD – THE DARK SIDE OF THE MOON – 1973

Puta que pariu! O mesmo irmão dentista que me apresentou Deep Purple era meio irresponsável (na época) e um dia bateu o carro ao som de “Time”, que era também tema de uma série de terror na TV, o que aumentou a sensação familiar de que a música era maldita. Quando ouvi este disco pela primeira vez entrei em transe: colocava na vitrola, deitava no tapete, virava as caixas pra minha cabeça como imensos fones de ouvido e ficava ali, vi-a-jan-do! O solo vocal de Clare Torry em The Great Gig in the Sky...como assim, um solo vocal? O sax de “Us and Them”, os efeitos por toda parte, relógios, corações, caixas registradoras, a lenda de que as passagens do disco coincidem com cenas de o Mágico de OZ. O Blues espacial do Pink Floyd atinge o patamar de obra prima neste disco. É muito mais que ser progressivo.


THE DOORS – THE VERY BEST OF – 1985

Quando eu era estagiário da 89 FM, em 1986, recebia polpudos suplementos de vinis de divulgação das gravadoras. Os divulgadores levavam discos pra rádio e nos presenteavam tb. The Doors era uma lenda semidesconhecida pra mim e foi através desta coletânea que eu pirei com Morrison e sua galera. O teclado do Ray Manzarek transformava aquilo tudo em sagrado. A voz do Jim, os solos meio orientais/indianos (?) do Robby, a bateria ás vezes bossa-nova do John. Que viagem, meus amigos. Light My Fire, The Crystal Ship, The End, Riders on The Storm... “From Los Angeles, California, The Doors”. Roadhouse Blues… confesso que plagiei em “Rafaela: eu amo a sua mãe”. Esta banda chapou meus 20 anos, 20 anos após ter existido. Que viagem!